Os meios de comunicação
participam do cotidiano dos brasileiros e brasileiras de forma fundamental. São
muitas horas assistindo televisão, ouvindo rádio, navegando na internet, lendo
jornais e revistas, falando ao telefone ou indo ao cinema. Todos esses produtos
e serviços, porém, são controlados por alguns poucos grupos com amplo poder
sobre o setor das comunicações.
Esse domínio direto de algumas
poucas famílias sobre todo o sistema nacional de comunicação se estabeleceu ao
longo do século XX, principalmente em sua segunda metade – impulsionado pelo
capitalismo monopolista brasileiro consolidado pela Ditadura Civil-Militar. O
setor foi estruturado política e economicamente, priorizando a lógica
privada/comercial, a concentração da propriedade, o compadrio, o
conservadorismo, o patrimonialismo, o alinhamento com os projetos de manutenção
da ordem e a marginalização de setores que lutam pelo alargamento da
participação democrática.
Em defesa da “democratização das
comunicações”, da “liberdade de expressão” e do “direito à comunicação”, uma
série de entidades, coletivos e indivíduos vem lutando ao longo de décadas por
uma modificação profunda nesse sistema, enfrentando o poder do empresariado
conservador e cobrando dos sucessivos governos mudanças efetivas. Apesar de
excluídos de decisões fundamentais, como a definição do Sistema Brasileiro de
TV Digital, esses grupos que compõem um movimento em defesa de direitos
conseguiu algumas poucas vitórias como a realização de uma primeira Conferência
Nacional de Comunicação (Confecom), a criação de uma empresa nacional de
comunicação pública – a EBC – e, mais recentemente, aprovação da Lei de Acesso
à Informação (LAI) e o Marco Civil da Internet.
Ainda que fundamentais, essas
conquistas têm se mostrado bastante insuficientes. As resoluções da Confecom
não saíram do papel, a EBC enfrenta cotidianamente o desafio de se desvencilhar
dos interesses não-públicos e de valorizar um quadro de funcionários capaz de
fazer um trabalho crítico, assim como o Marco Civil da Internet corre o risco
de, sob o ataque dos interesses comerciais e conservadores, ser desfigurado na
fase da sua regulamentação.
No que diz respeito à comunicação
comunitária, independente e alternativa, a tônica da política federal desde
sempre tem sido a repressão, o fechamento e a criminalização. Essa situação é
agravada por uma lei que sufoca e inviabiliza as rádios comunitárias. Vários indivíduos e grupos, independentes ou
não, que se dispuseram a veicular por meios de canais de comunicação os atos
públicos em defesa da garantia de direitos têm também enfrentado a repressão
policial.
Com a digitalização da TV e a
normatização do Canal da Cidadania, surge pela primeira vez a possibilidade de
se ter no país TVs comunitárias funcionando regularmente em sinal aberto, porém
o processo tem se mostrado confuso, lento e sem apoio do poder público local,
estadual ou federal. As emissoras comunitárias sofrem atualmente com a falta de
verbas fundamentais para garantir o seu funcionamento regular e encontram-se
praticamente inacessíveis aos grupos que não podem pagar por uma TV à cabo.
Paralelo a isso, a popularização
da internet tem permitido a emergência de uma série de novos atores. São
blogueiros, midiativistas e outras denominações que se engajam na tarefa de
veicular conteúdos que destoam do discurso único da comunicação tradicional e
daqueles que as dominam. Mesmo esses, porém, se deparam com dificuldades como a
judicialização, que busca constranger a veiculação de conteúdos que ferem o
interesse das elites. Observam, também, o crescimento do poderio das
corporações internacionais, que dominam os sistemas de telecomunicação e os
provedores de serviços de internet e criam filtros que sufocam a diversidade e
o debate crítico.
Apesar da demanda crescente da
população por serviços de internet, o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL)
tem ficado muito aquém das suas próprias metas. O governo não assumiu um
verdadeiro compromisso com a universalização, e cada vez mais fica claro que somente
o regime público de exploração pode garantir esse princípio. As empresas de
telecomunicação, transnacionais estrangeiras que dominam o setor de telefonia e
internet, se destacam pela péssima qualidade dos serviços oferecidos e, em
troca disso, recebem benefícios como os chamados “incentivos fiscais” e os
“bens reversíveis”, que representam, na prática, esquemas de transferência do
patrimônio público para o controle privado sem contrapartida.
Enquanto países da América Latina
avançam na regulação e regulamentação das comunicações - ampliando o número de
atores, valorizando a comunicação pública e comunitária, incentivando a
diversidade e restringindo a concentração da propriedade - no Brasil,
praticamente não se progrediu nesse sentido. Mesmo a recente Lei de Serviços de
Acesso Condicionado (SeAC) pouco conquistou
nessa direção. A oportunidade de se ter uma mudança nesse cenário cada vez mais
se vê obscurecida pelo fortalecimento da ideologia conservadora, que tem saído
às ruas reivindicando a supressão de liberdades e direitos civis.
Dentro desse cenário, o movimento
que luta pelo Direito à Comunicação, impulsionado pelo Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC), elaborou o Projeto de Lei da Mídia
Democrática, que se apresenta como um instrumento de diálogo com a população
brasileira capaz de sintetizar boa parte dos eixos fundamentais defendidos ao
longo de décadas. Embora saibamos que com isto ainda não se dá conta de todas
as questões, nós reunidos neste encontro no Rio de Janeiro entendemos que é, no
mínimo, a partir das diretrizes deste documento que se deve iniciar o diálogo
com o governo sobre a regulação da mídia.
A presidenta Dilma, no fim do ano
passado, se referiu à possibilidade de se avançar nesse sentido e nós
reivindicamos que esse diálogo se inicie a partir dessa redação que busca
sintetizar as diretrizes definidas pela Confecom e as décadas de acúmulo na
luta pela efetivação do direito à comunicação no Brasil e pela democratização
da nossa sociedade.
Enfatizamos ainda a importância
de se valorizar a comunicação pública, ampliar o orçamento do setor e implementar
os Canais da Cidadania, da Cultura, da Educação. Defendemos também a
importância de se observar a laicidade do Estado e a garantia da manifestação
da diversidade religiosa. É necessário disputar os rumos da EBC para que se
torne de fato um instrumento da classe trabalhadora. Nesse sentido, é
importante fortalecer os espaços de participação da sociedade civil como o
Conselho Curador da EBC.
Queremos também o efetivo
funcionamento de mecanismos de participação como as consultas e audiências
públicas, a instalação e manutenção de conselhos de comunicação capazes de
cumprir o papel de debater políticas públicas de forma independente aos
interesses econômicos e privados, assim como o efetivo funcionamento do
Conselho de Comunicação Social previsto no artigo 224 da constituição.
Defendemos que a comunicação comunitária
seja valorizada, financiada com dinheiro público, não sendo tratada como caso
de polícia, que os pedidos de outorga sejam avaliados de forma eficiente, visando
a diversidade e o direito à comunicação. A mudança da lei que regulamenta a
radiodifusão comunitária é fundamental para avançar nessa direção.
Acreditamos que com essas medidas
podemos dar um pontapé inicial em um verdadeiro processo de democratização da
comunicação. Uma dívida que o povo brasileiro precisa cobrar.
Texto elaborado e aprovado pelos participantes do Encontro Estadual pelo Direito à Comunicação realizado no Rio de Janeiro em 28 de março de 2015
Texto elaborado e aprovado pelos participantes do Encontro Estadual pelo Direito à Comunicação realizado no Rio de Janeiro em 28 de março de 2015
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